Apesar de estar na vanguarda dos estudos clínicos para desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus, o Brasil do presidente Jair Bolsonaro vive, paradoxalmente, uma confusão total a respeito da imunização de sua população, em meio a uma guerra ideológica
Apesar de estar na vanguarda dos estudos clínicos para desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus, o Brasil do presidente Jair Bolsonaro vive, paradoxalmente, uma confusão total a respeito da imunização de sua população, em meio a uma guerra ideológica.
O país de 212 milhões de habitantes participa com milhares de voluntários de vários testes de fase 3 (a última) das vacinas mais promissoras do mundo.
Mas a CoronaVac, desenvolvida pelo laboratório privado chinês Sinovac, está na mira do presidente, que cancelou o acordo de aquisição de 46 milhões de doses anunciado pelo seu próprio ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo.
Essa vacina será produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, órgão público sob a supervisão do Estado de São Paulo, governado por João Doria, adversário político do presidente.
Por conta disso, "a vacina chinesa de João Dória", como Bolsonaro a denominou com desdém, tornou-se um novo motivo de confronto frente à eleição de 2022, na qual Dória (PSDB) poderia frustrar os planos de Bolsonaro de conseguir um segundo mandato.
Bolsonaro acrescentou, ainda, uma matriz ideológica para satisfazer seus apoiadores visceralmente anticomunistas, que se opõem a uma vacina "proveniente de uma ditadura".
A China está "desacreditada", porque "foi lá que o vírus nasceu" e "nenhum país do mundo está interessado" em sua vacina, disse Bolsonaro.
O coronavírus já cobrou a vida de mais de 157.000 brasileiros, o segundo maior número de mortos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
"É preciso ler a situação no contexto das eleições municipais (de novembro) e das presidenciais (de 2022)", explica Geraldo Monteiro, cientista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
"A vacina deve ser produzida pelo Instituto Butantan, que está sob a tutela do estado de São Paulo. Seria uma conquista política para Doria e Bolsonaro não pode permitir isso", disse ele.
Enquanto o presidente minimiza a importância da pandemia, Doria se colocou na linha de frente de combate ao vírus, com aparições diárias perante a imprensa.
"Bolsonaro politizou a pandemia desde o início", destaca Monteiro.
Ele demitiu dois ministros da Saúde e insultou os governadores, chamando-os de "estrume" por defenderem o confinamento para conter o aumento dos casos.
"Doria fez o seu trabalho e isso incomodou Bolsonaro, porque ninguém pode ofuscá-lo (...) Mas há coisas que não podemos politizar às custas da saúde da população. É totalmente irresponsável, beira o absurdo", afirma Monteiro.