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Quatro reflexões sobre o que houve e o que está em jogo com a revolta social no Chile

Manifestações pacíficas e violentas, uma pandemia que paralisa as ruas, mas não as reivindicações, e uma elite política desarmada pela desconfiança de seus cidadãos: o Chile busca o bem-estar social sem definições ideológicas, coincidem quatro vozes a respeito deste ponto de virada

AFP
22/10/2020 às 17:17.
Atualizado em 24/03/2022 às 09:44

Manifestações pacíficas e violentas, uma pandemia que paralisa as ruas, mas não as reivindicações, e uma elite política desarmada pela desconfiança de seus cidadãos: o Chile busca o bem-estar social sem definições ideológicas, coincidem quatro vozes a respeito deste ponto de virada.

Acima da foto de um Chile com igrejas em chamas, há um rico debate público sobre "o país que queremos". Quatro analistas dão sua visão do momento em entrevista à AFP: o filósofo político Cristóbal Bellolio, a jornalista Mónica González, o escritor Patricio Fernández e a economista Bettina Horst.

São figuras de destaque da discussão na mídia de um país onde há um ano a história do progresso social e econômico se contava sem aparente questionamento desde 1990.

As reflexões são compartilhadas a poucos dias de um referendo para decidir se mudam ou não a sua Constituição, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e considerada a mãe das desigualdades e dos abusos.

"Nos fizemos de bobos com a meritocracia sendo um sonho, uma utopia que não existe. A grande fraude é aquela que derreteu os sonhos e esperanças de milhões de chilenos e o que explodiu foi isso", uma justiça, uma educação que serve para uns, enquanto outros vivem privados do Estado e "maltratados" pelo setor privado, afirma Mónica González, renomada jornalista e escritora, fundadora do site de pesquisas CIPER, vencedor do Prêmio Nacional de Jornalismo 2019.

González lembra que no calor da violência que se seguiu àquele 18 de outubro de 2019, uma pesquisa revelou que 62% da população disse: "Se não protestarmos, nada muda", e os números se mantiveram nas últimas pesquisas.

Isso representa "o fracasso da política, a primeira crise que temos, a crise mãe, a mais importante e a maior, é uma crise política", disse.

Cristóbal Bellolio, professor da Escola de Governo da Universidade Adolfo Ibáñez, acredita que foi rompida "uma narrativa de progresso da elite política e econômica chilena", sustentada por bons indicadores, que consideram que os últimos 30 anos do Chile foram os de maior prosperidade econômica, estabilidade, paz social, o que já diz muito na região", explica o autor de "Liberalismo: una cartografia" (2020).

A eclosão marcou uma ruptura com "os atores que lideram os processos políticos" e agora é preciso "rearticular" como essa diversidade ideológica se expressa, afirma.

A violência vista no Chile "cristaliza de certa forma que certos setores estão dispostos a sair com violência às ruas para expressar sua discordância, e isso não é compartilhado pela grande maioria", diz Bettina Horst, diretora de Políticas Públicas do Libertad y Desarollo, um think tank focado em estudos econômicos liberais, ligado à direita.

Horst explica que esse mal-estar estava fermentando há 10 ou 15 anos, quando escândalos de corrupção começaram a enfraquecer as instituições. Em seguida, o poder alternou entre democratas-cristãos e socialistas, após a redemocratização em 1990.

Nessa turbulência social, ela prefere guardar na memória a marcha de 25 de outubro de 2019, que reuniu mais de um milhão de pessoas na Praça Itália, em Santiago, para apoiar demandas por maior bem-estar social de forma "pacífica, legítima", sem bandeiras, nem partidos.

Hoje lamenta o pouco diálogo e o pouco respeito pela diversidade. "Vai ser muito difícil, nesse clima, sentar e falar sobre um novo texto constitucional", disse Horst.

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