Teodoro quer que a Sociedade Beneficente Treze de Maio seja um centro de resistência e cultura
‘O projeto da Sociedade Beneficente 13 de Maio tem como objetivo a devolução do espaço para a comunidade’ (Mateus Medeiros/Gazeta de Piracicaba)
Em assembleia geral realizada no início deste mês de novembro, a Sociedade Beneficente Treze de Maio elegeu uma nova diretoria e conselheiros, presidida por José Luís Teodoro, tendo como vice Fátima Aparecida Eugênio. Por questões internas, o "Treze de Maio", como é conhecida, ficou sem representação Jurídica nos últimos 13 anos e, com isso, não conseguia cumprir suas finalidades associativas e estatutárias.
Correndo o risco de ser extinta, foi necessária uma ação judicial para sua regularização. Hoje, a entidade está de volta, acertando suas documentações para buscar parcerias e patrocínios que viabilizem projetos de reforma e restauração do famoso Clube 13 de Maio, sede da Sociedade.
Em comemoração ao Dia da Consciência Negra, neste 20 de novembro, a Gazeta conversou com José Luis Teodoro - funcionário público estadual aposentado, tecnólogo em Construção Civil, formado pela Unicamp, que tem dedicado sua vida em prol do movimento negro em Piracicaba -, para que ele contasse um pouco dessa história, seu entendimento sobre o trabalho desenvolvido pela Sociedade Beneficente Treze de Maio ao longo de sua existência e os projetos futuro da entidade que acaba de ganhar uma nova vida.
Qual o peso do Clube 13 de Maio para as comunidades negras de Piracicaba?
Em 19 de maio de 1901, 13 anos após a Lei Aurea, que decretou o fim da escravidão no Brasil, nascia em Piracicaba a Sociedade Beneficente Antônio Bento, com o objetivo de organizar as comemorações da data "13 de maio" e também para servir como uma entidade de mutuo socorro e, assim, dar ajuda aos recém-libertos, como assistência social, jurídica, educacional e sendo também um ponto de encontro para as festividades da Comunidade Negra Piracicabana.
Em 13 de Maio de 1908, sua denominação foi alterada para Sociedade Beneficente 13 de Maio. Durante o período de 1901 a 1947, a entidade funcionou em diversos endereços no centro de Piracicaba. Nos anos 40, os associados conquistaram uma área na rua 13 de Maio, cinquenta metros acima do córrego Itapeva e também da antiga linha de trem, onde está a atual sede. Com Projeto Arquitetônico de Arquimedes Dutra e doações de materiais de associados, comerciantes e empresários, deu se a construção do prédio, inaugurado em 1948.
Passamos a ter então uma sede própria na Rua 13 de Maio, 1118, onde continua até os dias atuais. A construção foi um trabalho voluntário, de mutirões. No espaço funcionava cursos para alfabetização de adultos, visando "conduzir a pessoa a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la à comunidade piracicabana, permitindo melhores condições de vida". A entidade foi um espaço de preservação da cultura negra como Batuque de Umbigada (Tambú); Rodas de Samba, Carnaval de Rua - Escola de Samba e Blocos, Capoeira, Teatro e outras manifestações.
Até os anos oitenta, a Sociedade Beneficente 13 de Maio era o único espaço social que o negro piracicabano podia frequentar livremente para suas reuniões e diversões devido ao racismo existente na sociedade, sendo carinhosamente chamado de Clube 13 de Maio. A maioria dos casais negros de Piracicaba, formada até meados dos anos 80, se conheceu nas dependências da Sociedade Beneficente Treze de Maio, nos Bailes de finais de semana. Esta história é frequentemente ouvida.
A abolição da escravatura no Brasil, portanto, é um marco?
Quanto à data 13 de Maio, enquanto "abolição", cabe a toda sociedade brasileira terminar de escrever a Lei Áurea, pois a mesma ainda até hoje, 134 anos após a sua promulgação, não trouxe a verdadeira liberdade das comunidades negras. A Lei apenas disse: "A partir de hoje vocês estão libertos (sem moradia, sem trabalho, sem educação, sem propriedades) e esta situação se mantém. As políticas afirmativas têm ajudado muito nas conquistas, mas ainda temos muito como sociedade a avançar para diminuirmos a grande diferença social advinda da escravidão e da falta de oportunidades e políticas públicas para ex-escravizados e seus descendentes. A Sociedade Beneficente Treze de Maio participou das lutas que culminaram com a adoção das cotas no serviço público municipal de Piracicaba, que nestes 21 anos de existência ajudaram muitas famílias a se estruturarem, melhorando as suas condições de vida. O Treze de Maio, justamente com o Movimento Negro de Piracicaba, foi um dos propositores do Centro de Documentação Cultura e política Negra de Piracicaba.
A Identidade cultural e política negra na cidade não foram construídas individualmente, mas pela articulação de grupos que se organizaram na busca das conquistas. A sede da Sociedade é um exemplo disto, temos também a participação do Movimento Negro de Piracicaba, que nos anos 80 e 90, trouxe grande contribuição na construção de espaços educacional e político para o negro na cidade, tendo como uma das principais bandeiras o combate ao racismo Social e estrutural.
Hoje, a comunidade Negra precisa se organizar melhor para combater os desafios da política liberal que prega a meritocracia, que considera os avanços individuais ou de um grupo pelo seu mérito, mas despreza o critério das oportunidades, que devem ser igualmente oferecidas para todos. Se as duas coisas não andarem juntas, os avanços sociais não acontecem.
O que levou o Clube a esta situação falimentar?
Pela Sociedade Beneficente "13 de Maio" passaram muitos associados, pois era o único lugar para a comunidade Negra se reunir e se divertir na cidade e região. Com o advento de novas formas de lazer, que afetou todas as entidades associativas, o "13 de Maio" também perdeu a maioria de seus associados, restando poucos abnegados pela a manutenção dessa história, que a entidade representa, restando as lembranças e a saudade das épocas boas.
No ano de 2003, a Sociedade Beneficente 13 de Maio, foi tombada como Patrimônio Histórico e Cultural de Piracicaba, pela sua história Cultural e de Resistência; em 2014 o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) iniciou tratativas para o seu tombamento como Patrimônio Histórico e Cultural em nível estadual. O prédio conta hoje com mais de 74 anos de uso e necessita de reformas para a sua conservação estrutural e adequação às normas atuais para funcionar como espaço público.
Quais são os projetos em andamento que devem marcar essa nova fase?
O projeto da Sociedade Beneficente 13 de Maio é primeiramente adequar o espaço físico da entidade, tendo como objetivo a devolução do espaço para a comunidade, visando ser um local de desenvolvimento e preservação cultural, e da pesquisa sobre a História do Negro no Brasil. Trabalhar na qualificação de jovens, principalmente da periferia, criando mais oportunidades para que ingressem ao mercado de trabalho. Além de ampliar/apoiar o empreendedorismo na comunidade negra.
O que a ação judicial definiu legalmente?
A decisão da ação judicial foi regularizar a entidade. Por ela, são considerados associadas as pessoas que estavam legalmente vinculadas à entidade até o ano de 2009, quando existia uma diretoria legal. Eram 25 pessoas. Coube a elas a reforma estatutária e a eleição da Diretoria e Conselho Deliberativo.
Em reunião do atual Conselho Deliberativo, foi tratado o assunto sobre os novos associados e ficou definido que a entidade abrirá para novas adesões assim que a diretoria esteja legalmente registrada em cartório, ficando aberta a para todos que se interessarem em colaborar e participar com a manutenção e preservação deste espaço histórico.
Os novos associados devem ter em mente o Treze de Maio ainda não tem condições de realizar das grandes festas/bailes que aconteciam antigamente, pois temos que, dentro do projeto de reforma/restauração, dar tratamento acústico do local, visando o bom convívio com a vizinhança. Hoje a nossa intenção é que a Sociedade Beneficente Treze de Maio seja um centro de resistência e cultura para toda nossa região, onde as pessoas venham encontrar saberes para descobrir e fortalecer a sua identidade. Com a regularização jurídica, buscaremos parceria para a execução do projeto arquitetônico da sede, e a restauração de Prédio de acordo cm as normas do Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural (Codepac). Para isso, contamos com o apoio de toda comunidade Piracicabana, associados, empresários da indústria e comércio, bem como a ajuda do poder público. É uma bela história que está recomeçando.