Quase seis meses após desembarcar na América Latina, o coronavírus causou mais de 250.000 mortes e aprofunda a pobreza e a desigualdade, ameaçando apagar uma década de lentos avanços sociais
Quase seis meses após desembarcar na América Latina, o coronavírus causou mais de 250.000 mortes e aprofunda a pobreza e a desigualdade, ameaçando apagar uma década de lentos avanços sociais.
Em seus bairros marginais, com saneamento precário e onde a população mora aglomerada, o vírus e o desespero pela falta de dinheiro se espalham, em meio à redução brutal da atividade econômica devido às medidas contra a pandemia.
Milhares de famílias enfrentam o dilema de encher o estômago ou evitar o contágio e, no pior dos casos, não conseguem evitar a fome nem a doença.
"Por causa dessa pandemia, fiquei desempregada. Tem dia que até pulamos uma refeição porque a situação é difícil", contou Milena Maia em sua modesta casa na favela Heliópolis, uma das maiores de São Paulo, com 200 mil habitantes.
Mãe solteira de 36 anos, ela limpava casas, mas agora depende de doações de uma ONG para alimentar seus três filhos. Alguns de seus conhecidos morreram de COVID-19 e "muitos estão infectados".
Outros, como Priscila Tomas da Silva, seu marido e seis filhos, tiveram que sair da casa alugada e improvisar um teto com pedaços de madeira e plástico em um estacionamento de caminhões em Julieta Jardim, na periferia de São Paulo. Em poucas semanas, cerca de 700 barracos semelhantes foram construídos ali.
A situação se repete no resto da América Latina.
Esta região representa 9% da população mundial e, no entanto, concentrou quase 40% das mortes pela pandemia nos últimos dois meses.
Este dado "nos dá uma ideia do grande impacto que tem tido", disse à AFP Luis Felipe López-Calva, diretor para a América Latina do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
"Na ausência de uma reação política efetiva, em nível regional podemos falar de um retrocesso de até 10 anos nos níveis de pobreza multidimensional", acrescentou, observando que, embora os países tenham dado respostas muito heterogêneas, como um todo "aprenderam" no processo.
Dada a persistência das infecções, alguns governos reverteram a flexibilização dos confinamentos, como aconteceu nas últimas semanas no Peru, Argentina e Venezuela.
Ao mesmo tempo, implementaram ajudas aos setores com menos recursos.
Chile e Peru, por exemplo, aprovaram leis para sacar um adiantamento da aposentadoria, o que proporcionou alívio imediato, embora, segundo especialistas, vá prejudicar os já frágeis sistemas previdenciários no futuro.
"A quarentena e a pandemia revelam realidades cada vez mais profundas. A injustiça estrutural se torna visível", comentou à AFP Lorenzo de Vedia, padre Toto, na Villa 21, uma favela no sul de Buenos Aires.