"As pessoas contam os mortos, mas ninguém lembra que tem toda uma família por trás", conta Dieisy Seitenfus, que procurou ajuda psicológica assim que soube do falecimento de sua mãe em um hospital da rede pública em julho, vítima do novo coronavírus, que já causou mais de 190
"As pessoas contam os mortos, mas ninguém lembra que tem toda uma família por trás", conta Dieisy Seitenfus, que procurou ajuda psicológica assim que soube do falecimento de sua mãe em um hospital da rede pública em julho, vítima do novo coronavírus, que já causou mais de 190.000 óbitos no Brasil.
Devido ao distanciamento social, a assistência e acompanhamento psicológico remotos em grupos de apoio, como o "Ressignificando o Luto" e o "Projeto Acolher Perdas e Luto", tornaram-se ferramentas importantes para lidar com essa realidade.
Segundo especialistas em saúde mental, há uma estimativa de que quatro a 10 pessoas sejam diretamente impactadas por cada perda. No Brasil haveria, portanto, de 760 mil a 1,9 milhão de pessoas vivendo o luto.
Ao longo dos últimos nove meses, uma massa enlutada recebeu caixões lacrados com o desafio de seguir a vida após perder quem se ama, enquanto enfrenta uma pandemia em um país com economia fragilizada e desemprego nas alturas.
"Comecei a participar de grupos para pessoas enlutadas que encontrei nas redes sociais, como o Ressignificando o Luto. Falávamos sobre nossos dias e angústias", conta Seitenfus, de 30 anos, professora no Rio Grande do Sul.
"As pessoas têm medo de conversar sobre luto, fingem que está tudo bem", acrescenta.
No Maranhão, situado na segunda região do país com mais mortes pela covid-19, Rosinélia Machado, de 49 anos, e sua família tiveram a doença no início da pandemia. Sua mãe, de 73, se recuperou, mas a filha, Ana Caroline, de 31, não resistiu.
Após a morte, ela teve acompanhamento psiquiátrico e buscou ajuda no Projeto Acolher Perdas e Luto.
"Fiquei alguns dias sem comer e dormir, até pensei em suicídio. No celular, encontrei e me inscrevi no grupo. Foram 12 semanas de estudo, com sessões virtuais para contar nossa história e atividades variadas", relata a professora de filosofia.
"A mais difícil foi a primeira tarefa, sobre a validação da minha dor, em que tinha que me olhar no espelho e conversar comigo sobre o que aconteceu", recorda.
"Transformei meu luto em luta e criei um instituto em homenagem à minha filha", ressalta.
O Projeto Acolher Perdas e Luto, criado pela terapeuta Rosana de Rosa em 2018, propõe um programa gratuito de 12 etapas para lidar com o luto, construído a partir da própria experiência de ter perdido dois filhos. Psicólogos e acolhedores são voluntários, com atividades que incluem diálogo, tarefas e meditação.
Embora equipes de psicologia hospitalar já existissem para auxiliar pacientes internados e familiares, o desafio com o coronavírus foi desenvolver essa assistência de forma remota e humanizada.
"Antes, nosso hospital permitia acompanhamento 24h da família nas UTIs. Com a covid-19, essa presença se transformou em um telefonema de boletim médico ao dia. Isso gera muitos danos para o paciente e a família", conta a psicóloga Giovana Rossilenzi, que coordena a equipe de psicologia do Hospital Santa Catarina, na Avenida Paulista, em São Paulo.