INTERNACIONAL

Masmorras da loucura: a violência sexual contra mulheres na ditadura do Uruguai

Quando Ana Amorós foi presa em 1972, no início da ditadura uruguaia, a primeira coisa que fizeram foi passar um chicote sobre seu corpo nu na frente de um grupo de militares, antes de estuprá-la

AFP
23/11/2020 às 12:07.
Atualizado em 24/03/2022 às 02:02

Quando Ana Amorós foi presa em 1972, no início da ditadura uruguaia, a primeira coisa que fizeram foi passar um chicote sobre seu corpo nu na frente de um grupo de militares, antes de estuprá-la.

Assim como Amorós, Brenda Sosa, Luz Menéndez, Ivonne Klingler e Anahít Aharonian tinham vinte anos quando passaram por centros clandestinos de tortura.

Todas fazem parte do grupo de 28 ex-presas políticas que em 2011 entrou com uma ação na Justiça uruguaia por violência sexual e estupro, contra mais de 100 agressores, a maioria militares no contexto da ditadura (1973-1985).

Devido à demora da Justiça de seu país, o grupo planejou comparecer este ano na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para expressar sua situação.

No entanto, a pandemia atrasou seus planos e agora elas devem esperar que a CIDH as escute em uma audiência pública em março de 2021, disse à AFP Flor de María Meza, advogada do grupo.

A denúncia revelou histórias enterradas nas masmorras da tortura, algumas recuperadas através de depoimentos coletados pela AFP desde 2019.

Os advogados que representam os militares não responderam um pedido da AFP para dar seu parecer sobre as acusações dessas mulheres.

Brenda Sosa se escondia em uma casa de campo em Canelones, perto de Montevidéu, quando a casa foi cercada por militares numa noite de inverno em 1972. Ela tinha então 21 anos e fazia parte de uma célula de apoio logístico ao Movimento de Liberação Nacional (MLN), os "tupamaros".

Naquela época, esse grupo de guerrilha, ao qual pertenceu o ex-presidente José Mujica, "estava no seu auge, tinha uma boa imagem, tipo Robin Hood, e eu sonhava em entrar", diz Brenda, agora uma aposentada de 69 anos casada e mãe de dois filhos.

Nas décadas de 1960 e 1970, no contexto da Guerra Fria entre Estados Unidos e a URSS, a América Latina vivenciava uma série de ditaduras apoiadas mais ou menos abertamente por Washington, segundo revelaram posteriormente documentos desclassificados do Departamento de Estado.

Uma delas foi a do Uruguai, em junho de 1973, que precedeu em poucos meses a do Chile e se estendeu até 1985. O pretexto alegado pelos militares e civis que a promoveram foi "o perigo" para a democracia representado pelos movimentos guerrilheiros de esquerda, dos quais o mais famoso era o MLN, que já havia sido derrotado e cujos principais líderes estavam presos ou mortos.

Na noite de sua prisão, Brenda Sosa foi levada para o nono quartel de cavalaria, no nordeste da capital. Foi submetida a interrogatórios que incluíam afogamentos e choques elétricos nos mamilos e nas genitais com um dispositivo que os uniformizados chamavam de "o aguilhão".

Em uma dessas intermináveis sessões, a colocaram cara a cara com um colega de seu grupo guerrilheiro. "Levaram-no para que presenciasse como me torturavam, para fazê-lo falar".

Um mês antes haviam prendido Ana Amorós, integrante da Organização Popular Revolucionária 33 Orientais, grupo armado anarquista. Ela foi presa em uma instalação do grupo, que vigiava junto com uma colega. Estavam jantando quando dois caminhões repletos de militares bateram em sua porta, relata Amorós.

Começaram "a tirar todas as roupas íntimas e fazer piadas. Nessa hora fiquei nervosa", conta. "O manicômio estava só começando", lembra Amorós, uma escritora de 72 anos que teve quatro filhos - a mais velha deles, uma menina, faleceu.

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