Os aviões se aproximaram. Os ouvidos do então capitão João Batista Pereira Leonel Filho sabiam diferenciar a explosão da granada de um morteiro do impacto de uma bomba lançada por um avião
Os aviões se aproximaram. Os ouvidos do então capitão João Batista Pereira Leonel Filho sabiam diferenciar a explosão da granada de um morteiro do impacto de uma bomba lançada por um avião. O barulho dos jatos da Otan era inconfundível. A espera pelas explosões angustiava. Elas podiam ser o prenúncio da represália que ameaçava os reféns. Uns a vivenciaram em instalações controladas pelos captores, o exército bósnio sérvio; outros, amarrados em torres de telefonia e outros possíveis alvos das bombas da aliança militar do Atlântico Norte. Em um dos quartéis estava Leonel.
Ele fazia parte da Unprofor, a força de paz das Nações Unidas na antiga Iugoslávia. O desastre humanitário na Bósnia - repetindo em menor escala a débâcle da ONU, em Ruanda, no genocídio tutsis - levou à reformulação das forças de paz, moldando intervenções futuras, como no Timor Leste, no Haiti, e na República Democrática do Congo.
Quando Leonel começou sua missão, fazia seis anos que o País voltara às missões de paz, após a retirada, em 1967, do Batalhão Suez, em consequência da Guerra dos Seis Dias. Era manhã de 25 de maio de 1995 quando o quartel do hoje general de divisão Leonel foi cercado por uma dezena de sérvios. "A polícia especial dos bósnios-sérvios, uma tropa paramilitar, foi à sede da nossa equipe e informou que o status do pessoal da ONU tinha se modificado de 'neutro e imparcial' para 'beligerante'. Passamos a ser considerados prisioneiros de guerra."
O brasileiro fazia parte da Unprofor, que se interpunha entre sérvios ortodoxos que, das montanhas do entorno de Sarajevo, cercavam a cidade e as forças muçulmanas, que dominavam a maior parte da capital da Bósnia-Herzegovina. O quartel de Leonel ficava no setor sérvio, perto do aeroporto. O capitão fora voluntário para se meter nessa confusão. Era um dos observadores da ONU.
Ele lembra do pouso em Sarajevo. "Quando a aeronave vai mergulhar, você tira o colete e senta em cima dele, pois o pessoal atira de baixo para cima e não adianta manter o colete no tórax." O Ilyushin 76 desceu na pista e abriu a porta dos fundos, abaixando a rampa para o desembarque dos militares, tudo sem parar. "Saímos correndo. Eu era o único observador em meio ao pelotão de infantaria." Assim que desceram, um tiro de morteiro caiu a 200 metros da pista.
Foram 13 dias de cativeiro. Leonel ficou a maior parte do tempo com os colegas. Até que os guardas sérvios disseram que iam "levar o brasileiro". Leonel foi conduzido à cidade de Pale, onde ficou com outros reféns em uma cadeia por 24 horas, até ser levado de helicóptero à Novi Sad, na Sérvia, onde todos embarcaram em um avião da ONU para Zagreb (Croácia): estavam livres. O último refém foi solto no 23.º dia da crise.
Leonel pediu ao comando da Unprofor para voltar a Sarajevo. "Na minha visão, não ia me sentir bem se alterasse o perfil da minha missão." A tropa da ONU sofreu em razão dos combates. A guerra continuou até a chegada da força de intervenção da OTAN, uma brigada blindada cuja presença no terreno obrigou as forças sérvias a negociar a paz. E com a paz veio a retirada dos capacetes azuis, substituídos por tropas da aliança do Atlântico Norte. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.