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Em Tigré, sobreviventes horrorizados denunciam massacres cometidos por soldados eritreus

Na casa de Beyenesh Tekleyohannes, a agitação já durava horas e quase 30 convidados cantavam, rezavam e compartilhavam lentilhas e pasta de grão de bico por ocasião de uma importante celebração do cristianismo ortodoxo

AFP
03/03/2021 às 07:44.
Atualizado em 22/03/2022 às 10:59

Na casa de Beyenesh Tekleyohannes, a agitação já durava horas e quase 30 convidados cantavam, rezavam e compartilhavam lentilhas e pasta de grão de bico por ocasião de uma importante celebração do cristianismo ortodoxo.

O ambiente era tão animado que ninguém ouviu quando soldados se aproximaram a pé, pela estrada sinuosa cercada por cáctus que vai até Dengolat, um vilarejo na região Tigré (norte da Etiópia). Até que foi muito tarde.

Os homens armados e de uniforme falavam um dialeto eritreu e obrigaram todos a permanecer na casa. Depois retiraram homens e crianças e os levaram até as proximidades de uma colina, a um terreno castigado pelo sol.

Beyenesh escutava tiros enquanto fugia no sentido contrário, temendo pelo pior para seu marido, os dois filhos e dois sobrinhos.

O instinto não a enganou.

Três dias depois, quando saiu de seu esconderijo, Beyenesh encontrou os cinco cadáveres, com as mãos amarradas e marcas de tiros nas cabeças.

Foi um dos maiores massacres de civis em Tigré.

"Eu preferia morrer a viver para ver isto", declarou à AFP, sem conter as lágrimas, ao recordar com a festa de Santa Maria terminou em banho de sangue.

A igreja local afirma que 164 civis foram assassinados em Dengolat, a maioria em 30 de novembro, um dia depois da festa religiosa.

Durante três meses, pelas restrições de acesso a Tigré por parte do governo etíope, os habitantes de Dengolat perderam a esperança de contar sua história.

A AFP chegou à localidade na semana passada, entrevistou sobreviventes e observou valas comuns em Dengolat, formada por casas de pedra nas encostas de penhascos íngremes, típicos de Tigré.

Algumas ONGs como a Anistia Internacional (AI) temem que Dengolat não seja um exemplo isolado, e sim um cenário representativo da violência sofrida pelos moradores de Tigré.

"Há tantos focos violentos e massacres em Tigré, que não conhecemos seu alcance", disse Fisseha Tekle, investigador para a Etiópia na AI.

"Por isto solicitamos uma investigação da ONU. As atrocidades devem ser conhecidas de maneira detalhada e (os responsáveis) devem prestar contas".

Em 4 de novembro, quatro semanas antes da festividade de Santa Maria, o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed, prêmio Nobel da Paz em 2019, iniciou uma operação militar em Tigré para derrubar o partido governante na região (TPLF, Frente de Libertação do Povo Tigré).

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