Ao chegar ao poder, Jair Bolsonaro denunciou o alinhamento "ideológico" da diplomacia brasileira e procurou se aproximar de "democracias importantes como Estados Unidos, Israel e Itália"
Ao chegar ao poder, Jair Bolsonaro denunciou o alinhamento "ideológico" da diplomacia brasileira e procurou se aproximar de "democracias importantes como Estados Unidos, Israel e Itália". Dois anos depois, suas polêmicas iniciativas e a derrota de Donald Trump ameaçam deixar o Brasil isolado no cenário internacional.
Chamado no exterior de "Trump tropical", Bolsonaro foi o último líder do G20 a reconhecer a vitória do democrata Joe Biden e apoiou a tese de que houve "fraude" nas eleições americanas, recusando-se a condenar o ataque ao Capitólio de 6 de janeiro, incitado pelo presidente republicano.
Um de seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, que preside a Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara, substituiu sua foto de perfil no Twitter por uma imagem de Trump na segunda-feira. E o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, afirmou que "a esquerda tenta arruinar os EUA".
No entanto, essas provocações não surpreenderam.
A política externa de Bolsonaro reproduz o provocativo discurso antissistema, impregnado de neoliberalismo na economia e conservadorismo nos costumes, que influencia em temas como o desmatamento, o porte de armas e os direitos reprodutivos.
O resultado é que o Brasil está ou em breve estará mais ou menos afastado de seus principais parceiros comerciais: China, Estados Unidos, União Europeia e Argentina.
Da China, se distancia pela ameaça de excluir a Huawei da corrida pela rede 5G e por seus comentários depreciativos sobre a vacina CoronaVac contra o coronavírus, que o laboratório chinês Sinovac produz em colaboração com o Instituto Butantan.
Do futuro governo Biden nos Estados Unidos e de alguns países da União Europeia, pelos recordes de desmatamento e incêndios na floresta amazônica que ameaçam a ratificação do acordo de livre comércio UE-Mercosul.
E da Argentina, pela permanente tensão com o governo de centro-esquerda de Alberto Fernández. No mês passado, Bolsonaro afirmou que a legalização do aborto no país vizinho permitirá que as "vidas das crianças argentinas" sejam "ceifadas" com a "anuência do Estado".
O Brasil tampouco ficou bem parado após o enfraquecimento do modelo liberal chileno, devido aos protestos sociais, e ao fracasso das tentativas de derrubar o governo venezuelano de Nicolás Maduro.
Em uma reunião de gabinete em abril, Araújo, em nome de sua cruzada contra o "globalismo", disse estar convencido de que o Brasil tinha condições de se sentar "na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial" após a pandemia.
Um projeto que parece distante, com os mais de 200.000 mortos no Brasil (o segundo país com mais óbitos por covid-19, depois dos Estados Unidos) e que ainda aguarda o início da vacinação.
"Tudo o que eles anunciaram, como a renovação, a Venezuela, a aliança com os Estados Unidos, a liga da democracia para vencer o comunismo. Todas essas bobagens ideológicas, todos aqueles moinhos de vento e esses quixotes perturbados, nada disso se fez", declarou à AFP o diplomata Paulo Roberto de Almeida, que foi demitido em 2019 do cargo de diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), vinculado ao Itamaraty.