INTERNACIONAL

Cultura e revolução em Cuba, uma relação às vezes difícil

Dois meses após a manifestação inédita em Havana de mais de 300 artistas cubanos em frente ao Ministério da Cultura para pedir liberdade de expressão, o diálogo está paralisado, em uma longa cadeia de desentendimentos entre a cultura e a revolução socialista

AFP
26/01/2021 às 13:44.
Atualizado em 23/03/2022 às 21:29

Dois meses após a manifestação inédita em Havana de mais de 300 artistas cubanos em frente ao Ministério da Cultura para pedir liberdade de expressão, o diálogo está paralisado, em uma longa cadeia de desentendimentos entre a cultura e a revolução socialista.

Nem o risco de ressurgimento da covid-19 e uma reforma econômica profunda no país conseguiram abafar a reivindicação histórica dos artistas por liberdade criativa em 27 de novembro, que agora se expressa nas redes sociais, em um país onde a chegada da internet móvel, há dois anos, mudou o dia a dia das pessoas.

O romancista e poeta Alexis Díaz Pimienta resumiu a situação da seguinte forma:

"Quando se perde/a capacidade de diálogo/o mais curioso/ é que cada uma das partes/acredita que a outra é aquela que perdeu./E então/nasce/um novo modelo de incomunicação:/o monólogo surdo bidirecional".

Tudo foi desencadeado no dia 27 de novembro, quando 300 artistas permaneceram por cerca de 15 horas em frente ao Ministério da Cultura, uma mobilização sem precedentes na história recente da ilha.

Mas as autoridades, que enfrentam o reforço do bloqueio dos Estados Unidos e a pressão dos anticastristas de Miami, disseram que tudo era parte de um "golpe brando" e responderam disparando para todos os lados.

"Fomos atacados com tudo, provocações e atitudes mercenárias ligadas a greves falsas de supostos artistas", disse o presidente, Miguel Díaz-Canel, no final do ano.

Nesse ambiente, "repete-se o repúdio e o uso da palavra "mercenário" para quem pensa diferente", diz à AFP María Isabel Alonso, especialista em cultura cubana do St. Joseph"s College de Nova York.

Também se tornaram comuns "As prisões domiciliares como uma variação das detenções".

O 27N "foi uma manifestação política, mas se manifestou como um ato poético, sem violência, com canções, poemas, sensibilidade de pensamento", diz Fernando Pérez, considerado o melhor cineasta cubano vivo e mediador entre manifestantes e autoridades.

"Esses jovens prenunciaram a Cuba que tantos cubanos sonharam e ainda sonham", insiste o cineasta septuagenário, mas "não me iludo: as mentalidades não mudam de um dia para o outro e voltei a confirmar que o caminho é longo".

Foi um grupo heterogêneo com várias reivindicações em que prevaleceu a "liberdade de expressão para espaços independentes", acrescenta.

Desde que Fidel Castro definiu a política cultural de sua revolução em junho de 1961 no discurso "Palavras aos intelectuais", não faltaram desencontros entre artistas e autoridades.

"Dentro da revolução, tudo; contra a revolução, nada" foi a orientação que Castro deu aos artistas, embora tenha suscitado interpretações diversas.

A história de desavenças começou na década de 1960, mas ganhou maior força entre 1971 e 1976, no chamado "Quinquênio cinza", lembrado por muitos como um longo período de escuridão.

Essa política adotada sob a influência do realismo socialista soviético gerou expurgos entre artistas e intelectuais que não atendiam aos "parâmetros", aprovados em congresso em 1971, de serem revolucionários e heterossexuais.

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