História

Cápsula do Tempo do Sud Mennucci

Confira o artigo da escritora Ivana Maria França de Negri

29/09/2022 às 06:24.
Atualizado em 29/09/2022 às 06:26
 (Divulgação)

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Há cem anos, o então diretor da antiga Escola Normal Oficial de Piracicaba, professor Honorato Faustino de Oliveira, teve a genial ideia de reunir documentos, notas e moedas, jornais, redações e boletins dos melhores alunos, cadernos, selos, fotos, entre outros ítens, numa caixa de cobre, a qual denominaram cápsula do tempo, para que fosse emparedada no hall de entrada da escola. Todos os objetos representavam o momento pelo qual passava a cidade. Foi feita uma ata explicando o conteúdo, a finalidade e quando deveria ser aberta. 
Autoridades estavam presentes e um programa lítero-musical foi apresentado no dia 15 de novembro, data em que a cápsula foi devidamente lacrada, cimentada na parede e colocada uma placa indicativa com os dizeres: “Documentos Históricos para serem d´aqui retirados no dia 7 de setembro de 2022”. 

Era o ano de 1922 e comemorava-se o centenário da Independência do Brasil. A ideia era que a caixa só fosse aberta cem anos depois, no bicentenário da Independência do país.

Caixas “surpresa” sempre despertaram o imaginário popular, tal como um Kinder Ovo cria a expectativa nas crianças do brinde que traz dentro dele.
E como nos contos de fadas, em que princesas dormem por cem anos, essa caixa dormitou no hall de entrada da escola, atiçando a curiosidade de inúmeras gerações.

A Escola Normal de Piracicaba passou a se chamar, Sud Mennucci depois do falecimento desse professor formado no estabelecimento em 1910. Ele era piracicabano, defensor dos direitos dos professores e do ensino de qualidade. Foi Diretor de Ensino de São Paulo. Escrevia para inúmeros jornais e publicou vários livros, ganhando o prêmio da Academia Brasileira de Educação. Extensa biografia de Sud Mennuci foi produzida por seu neto, o escritor paulistano Ralph Mennucci Giesbrecht.

Em 1953, a Escola Normal de Piracicaba passou a ser denominada Instituto Educacional Sud Mennucci, por isso muitos ainda dizem o Sud, referindo-se ao Instituto. Na época formavam-se cerca de cem professores ao ano e quem queria fazer o curso tinha que se submeter a uma espécie de vestibulinho para entrar. Forneciam também cursos de aperfeiçoamento, especialização em pré-escola e administração escolar. Ao longo de décadas, esse número foi diminuindo a cada ano.

O edifício tem uma arquitetura belíssima, ladrilhos trabalhados, portas altas como se usava na época, afrescos originais nas paredes, que foram restaurados recentemente, vitrais coloridos, e ainda há móveis do tempo da fundação, de 1897, portanto há 125 anos.

Quando o colégio Assunção não disponibilizou mais o Curso Normal para as alunas, migrei para o Sud Mennucci a fim de concluir o curso de Magistério. Tive professores maravilhosos, como Marly Therezinha Germano Perecin, Benedito Antonio Cotrim, Rossini Dutra, Sonia Dumit, Armando Vollet, Isabel Guardia, Iracema Frota, Evaristo e Maria de Lourdes Pereira, Clarice Tejada, entre outros.

A caixa tornava fértil minha imaginação... Ficava a pensar o que haveria dentro dela e o que eu colocaria se fosse eu a montá-la. 

Alguns anos depois, comecei a namorar meu marido, e minha futura sogra contava que dentro da caixa havia uma redação do marido dela, que na época tinha 11 anos e era um dos melhores alunos da classe. Dizia para prestarmos atenção quando fosse aberta em 2022.

Para quem era jovem naquele tempo, cinquenta, sessenta anos, pareciam estar muito longe, e demorariam uma eternidade para passar. Só que o tempo passa mais rápido do que imaginamos, e estamos aqui, para testemunhar esse acontecimento. Ela quase conseguiu chegar nesse momento, faltou bem pouco, pois faleceu aos 105 anos

Meu marido também cursou no Sud o científico e teve professores lendários como Demóstenes dos Santos, Argino, Cicarelli, Zelinda, Benedito Evangelista Costa, Zé Salles, Benedito de Andrade, Arquimedes Dutra, Cecília Nardin, Mellita Brasil, Lino Sansígolo, Octavio Mello, Godoy, entre outros.

No curto período em que lá estudei, ele já cursava Medicina em Brasília. Quando ia para a universidade, lembro que deixava bilhetinhos sob os coqueiros do jardim do Sud para que eu os encontrasse depois. 

Guardo com carinho fotos de minha mãe e de minhas tias que se formaram professoras no Sud Mennucci e tiveram o privilégio de serem alunas de docentes ilustres como Thales Castanho de Andrade, que mais tarde passou a ser um escritor muito famoso, Fabiano Lozzano, Olívia Bianco, Jethro Vaz de Toledo e outros mais.

Todos os detalhes da cápsula do tempo foram descritos em uma ata pelo diretor Honorato, que contava como foi a cerimônia de emparedamento, instruções para ela ser aberta cem anos depois, como ainda a descrição geográfica do exato lugar onde foi colocada.

Ao historiador Maurício Beraldo e à restauradora Ana Torrejais, funcionários do Museu Prudente de Moraes de Piracicaba, foi concedida a honra de resgatar a cápsula centenária, sob a supervisão de diretores da escola, professores, autoridades, convidados, ex-alunos e membros do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba.

E os presentes puderam constatar que todos os documentos estavam em perfeito estado de conservação. Higienizados, catalogados e acondicionados de forma correta, serão apresentados à população para visitação no Museu. 
Creio que a emoção será forte para quem tem alguma relação com os objetos contidos nessa caixa. Meu marido tem muita curiosidade para ver o que o pai dele escreveu quando ainda era criança.

E todos os piracicabanos, que tanto amam a Noiva da Colina, devem rememorar esse fato histórico de nossa cidade e repassar aos seus descendentes.


Ivana Maria França de Negri é escritora e integra o Centro Literário de Piracicaba, Grupo Oficina Literária de Piracicaba, Academia Piracicabana de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba

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