IDEOLOGIA

Mandela deixa uma África do Sul desiludida e desigual

Embora o País não conheça mais barreiras raciais, ainda há um abismo socioeconômico entre ricos e pobres

France Press
correiopontocom@rac.com.br
06/12/2013 às 09:33.
Atualizado em 27/04/2022 às 17:49

Idealmente, a África do Sul imaginada por Nelson Mandela deveria "pertencer a todos os que vivem nela". Embora o país não conheça mais barreiras raciais legais, ainda há um abismo socioeconômico entre ricos e pobres que alimenta o desencantamento. "Como é possível fazer da África do Sul um lugar onde todo mundo possa viver feliz?": a questão foi colocada nos anos 1950 pelo principal partido negro, o Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês). Essa questão levou à adoção em 1995 de uma "Carta da Liberdade", que se concretizou em parte com o fim do Apartheid e o advento da democracia. Todo mundo tem direito a voto desde 1994. "Mas ainda estamos muito longe da sociedade que Mandela tinha em mente", observa Frans Cronje, do Instituto Sul-Africano das Relações entre as Raças (SAIRR, na sigla em inglês), observatório pioneiro da transformação do país. "Quatro sul-africanos negros em cada dez não concluem os estudos. Claramente, isso não é o que Mandela imaginava. E quando eles terminam, não estão no nível das exigências do sistema econômico", afirma Cronje. Evocando seus companheiros dos anos 1930, Mandela escreveu: "não era a falta de capacidades que limitava meu povo, mas a falta de meios". Essa observação continua sendo cruelmente atual em 2013. Depois de quase 19 anos de poder e em um contexto de "boom" demográfico, o ANC fracassou amplamente na redistribuição das "cartas". As linhas de distribuição econômica não coincidem mais apenas com a cor da pele, mas a grande maioria da população sofre com o desemprego e a pobreza. Cerca de 20% dos lares não têm água corrente, e 10% vivem sem luz, em um país onde abundam as piscinas e cercas elétricas nos bairros chiques. Àqueles que denunciam o novo Apartheid econômico, Cronje responde que "a situação é complexa". "Vendo de onde viemos, estamos bem. Em termos de Estado de Direito, sobretudo. Temos uma classe média negra que sobrevive, muito progresso foi feito, mas ainda há desigualdades. E, à medida que as coisas melhoram, as expectativas aumentam", completa. Quase 100% dos desfavorecidos são negros - isso não mudou. Números de 2010 mostravam, porém, que entre os mais abastados 19% são negros - os famosos "diamantes negros" -, contra 3% dez anos antes. O mesmo estudo revela que 65% dos mais ricos são brancos. Em matéria de saúde, "avançamos contra a malária e a desnutrição infantil", acrescenta Cronje, destacando que a maioria ainda não tem os cuidados mais básicos. Cerca de 84% dos 52 milhões de sul-africanos, segundo o Ministério da Saúde, procuram os hospitais públicos, em virtude da crônica falta de recursos e de pessoal. O salário de um funcionário de supermercado não lhe permite ter uma cobertura de saúde, em um país com uma medicina privada tão avançada que vários chefes de Estado e autoridades estrangeiras escolhem a África do Sul para se internar. Em 2009, Mandela admitiu, indiretamente, seu principal fracasso: "precisamos nos lembrar de que nossa principal tarefa é erradicar a pobreza e garantir uma vida melhor para todos".

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