O rio Piracicaba está agonizando registrando a vazão mais baixa dos últimos 50 anos
O interior do estado de São Paulo está à beira do colapso em relação à água. A vazão dos rios está muito abaixo do normal e algumas cidades já começaram rodízio no abastecimento. O rio Piracicaba está agonizando, registrando a vazão mais baixa dos últimos 50 anos, segundo informações do Consórcio PCJ (Comitê das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí).As cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC) já estão se preparando para racionar o fornecimento nos próximos dez dias. Se o consumo continuar elevado e não chover, a maior parte dos 19 municípios vai seguir Valinhos e Vinhedo, que já iniciaram o rodízio esta semana. Mesmo em cidades que ainda não adotaram o racionamento, como Americana e Sumaré, o consumo excessivo tem provocado falta do produto nos locais mais altos. Em Vinhedo, o racionamento está sendo feito em todo o município em sistema de rodízio por um período de até 4 horas em determinado período do dia. O racionamento acontece de acordo com o consumo de cada região. A cidade capta água em quatro mananciais (Rio Capivari, Córrego Bom Jardim, Córrego da Cachoeira e Ribeirão do Moinho).Situação críticaCosmópolis poderá racionar porque a cidade não tem capacidade para tratar mais água além do volume atual - são tratados 850 metros cúbico por hora retirados do Rio Pirapitingui, que são totalmente consumidos pela cidade. "Se não houver redução no consumo, vai faltar água", disse o secretário de Saneamento Básico, Vital Caló Filho.Em Artur Nogueira, a situação está crítica, segundo o diretor do Serviço de Água e Esgoto (Saean), Sérgio Facilotto. "Estamos em alerta, mas o volume de água nos córregos represados que utilizamos para captação está cada vez mais baixo e se a população não economizar ou não chover em dez dias, vamos implantar o rodízio", afirmou. A cidade está divulgando panfletos pedido para a população economizar.Represas particularesIndaiatuba poderá utilizar a água das represas particulares da cidade para abastecimento, antes de lançar mão do racionamento, informou o serviço de água do município. Há na cidade uma série de açudes que permitirão elevar o nível dos mananciais usados na captação. Em Americana, o problema maior é o crescimento no consumo, 280 milhões de litros a mais do que foi consumido há um ano e o sistema não dá conta de atender essa elevação em período de seca prolongada como agora. Assim, bairros mais alto acabam tendo o fornecimento interrompido, porque os reservatórios não dão conta de voltar ao nível normal.Pedreira está em alerta e fazendo campanha para a redução do consumo. Para abastecer a cidade, são retirados 3,2 mil metros cúbicos diários do Rio Jaguari, manancial que está com vazão muito baixa. A Represa Jaguari, em Bragança Paulista, que libera água para esse rio, está com apenas 16% de sua capacidade de armazenamento.CampinasO Rio Atibaia, no seu trecho em Campinas, está praticamente seco. Apenas cerca de 0,7 m3/s está descendo o rio, após o ponto de captação da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento (Sanasa), próximo da Rodovia D. Pedro. Cerca de 5 m3/s chegam na captação e ali 4,1 m3/s estão sendo retirados para abastecer 95% da população da cidade. O que sobra, não consegue dar vazão no rio, que tem a pouca água praticamente parada.SumaréO presidente do Departamento de Água e Esgoto (DAE) de Sumaré, Valmir Ferreira da Silva, fez um apelo para que a população da cidade economize ao máximo a água tratada e distribuída pela autarquia. Atualmente, cerca de 60% da população sumareense é atendida por água captada no Rio Atibaia, que vem das represas do Cantareira. O Rio Atibaia, onde localiza-se uma das captações de Sumaré, já está com a vazão comprometida e com o menor nível de água já registrado no Verão. O Atibaia e o Jaguari, que formam o Piracicaba, estavam no início desta semana com 18% e 33%, respectivamente, do volume das médias históricas para este período do ano.O risco de desabastecimento vem do atual período atípico de seca na Região Sudeste do Brasil em pleno Verão, que deveria ser o período mais chuvosodo ano, somado aos constantes recordes de calor – o que aumenta o consumo de água tratada. Na última sexta-feira, dia 31 de janeiro, a temperatura na cidade chegou à marca de 38 graus, aliada a uma baixa umidade do ar. E as previsões indicam que o tempo continuará seco nas duas primeiras semanas de fevereiro, pelo menos.Tudo isto faz com que “saia” mais água do que “entra” nos rios e represas. A seca já levou municípios da Região Metropolitana a iniciar, desde a semana passada, campanhas para economia de água, alertando a população para que, na continuidade da estiagem, poderá ocorrer racionamento.“Estamos em uma situação atípica e extrema, a maior seca registrada nos últimos dez anos, que traz a possibilidade iminente de racionamento de água para praticamente todas as cidades da nossa região. Hoje, em Sumaré, já estamos com esta necessidade de fecharmos o cerco ao uso irresponsável, abusivo e ao desperdício da água”, afirmou Silva.PiracicabaDurante o mês de janeiro, choveu apenas 68 milímetros, sendo que a média histórica é de 335 milímetros para este período. Em medição feita às 7h desta terça-feira (4), a vazão era de 19,3 metros cúbicos por segundo e o nível era de 0,99 metro. Em janeiro do ano passado, esses números eram, respectivamente, 119,96 m3/s e 2,07 metros. Segundo Luiz Roberto Moretti, diretor do Daee e secretário-executivo do PCJ, desde 1964 não se via uma vazão tão baixa. Para ele, a situação é bastante preocupante e exige cuidados da parte de quem utiliza a água das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. "Devem utilizar a água com racionalidade, evitando o desperdício. É uma situação atípica, anormal. Se não tivermos a reposição do regime normal de chuvas, poderemos ter problemas muito sérios quando chegarmos ao meio do ano", alerta Moretti, se referindo à época da estiagem.Uso racional"Se não fizermos uso racional, teremos de racionar e assim a situação fica mais complicada", enfatiza. E a previsão de chuvas para mudar esse cenário não é nada animadora. De acordo com o professor do Departamento de Engenharia e Biossistemas (LEB) da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), Fábio Marin, deve começar a chover timidamente só daqui a uma semana. "E a previsão aponta 2 milímetros por hora, cerca de 15mm a 20 mm por dia. É algo que não resolve a situação para o rio", observa ele. Mas fazer previsões exatas dez dias à frente é uma tarefa difícil, avisa.A reportagem do Grupo RAC percorreu alguns trechos do Rio Piracicaba na tarde desta terça-feira, do salto até a Ponte do Morato. O fotógrafo Del Rodrigues entrou no Piracicaba um pouco acima da Ponte Pênsil e seguiu quase sem nenhuma dificuldade até o início do salto, em busca da imagem perfeita, que mostraria a agonia do rio. E conseguiu.Cascata vira montanhaO salto parece mais uma montanha do que um rio. Para não molhar suas botas, ele as deixou em um trecho seco. O sol estava tão forte, que seus pés ficaram doloridos e, certamente, surgiriam bolhas. O piracicabano Ricardo Borges, 62, aproveitou para ver o rio e se assustou. "Só vi o rio assim durante a estiagem. É uma resposta da natureza, para que fiquemos mais atentos com a sua preservação", alerta.Morador na Rua São José, quase esquina com a Avenida Beira Rio, há 60 anos, o aposentado Maurício Alonso, 62, conta que pescou muito no Piracicaba e parou quando ele "começou a morrer" . "Desde que eu moro aqui, nunca vi o rio assim. É uma tristeza", resume. O amigo de Alonso, João Feliciano, frequenta a região da Rua do Porto há 30 anos e nunca viu tão poucos turistas nessa época do ano.Vale do ParaíbaOs mananciais que abastecem a região estão com os índices satisfatórios e que estão sendo monitorados diariamente, segundo informou a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). O principal deles, o Rio Paraíba do Sul, está com volume de água dentro da normalidade e, que por enquanto, não há possibilidade de racionamento de água na região, segundo informou a empresa.