Claudinéia também é voluntária no projeto Doutores da Alegria, no Stanford Hospital
Na infância, ela confessa que já era muito sapeca. O avô chegou a apelidá-la de pimentinha porque era ardida como uma pimenta malagueta. Mas ela nem imaginava que esse apelido surgido casualmente de uma brincadeira se transformaria um dia na sua identidade profissional. Hoje, é como "Pimentinha" que a jornalista Claudinéia Cardinalli ganha a vida nos Estados Unidos. É a única brasileira a integrar o grupo de palhaços de Nova Iorque. Além disso, também é voluntária no projeto Doutores da Alegria, no Stanford Hospital. Mineira de Poços de Caldas, Claudinéia chegou à América no final de 1999, um ano após ter concluído o curso de jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Ela conta que antes de sair do Brasil sua mãe Elza pediu para que levasse na bagagem as roupas de palhaça que usava em trabalhos no país. "Eu tinha experiência de sete anos nessa área de animação e fiquei com a esperança de fazer isso também na minha nova vida americana", relembra. Néia, como é mais conhecida, diz que para sua surpresa, não haviam animadores nos Estados Unidos. Ela começou a fazer festas em Nova Iorque, New Jersey e Connecticutic três semanas após ter desembarcado no país. Os pais (Elza e Victor) foram os primeiros a emigrar no início da década de 80 e foram eles que a incentivaram a emigrar também."Eles ficaram impressionados como as crianças e os idosos eram bem tratados nesse país e também com a limpeza das cidades. Tudo isso me deixou bastante animada". Porém, antes de entrar em cena literalmente como a palhaça Pimentinha, Néia decidiu que queria aprender o idioma, afinal, esse tinha sido o principal motivo que a fez deixar o Brasil e a recém-adquirida carreira como jornalista, profissão que ela sempre amou. Segunda ela, a decisão foi impulsionada porque já naquela época (98 para 99) os empregadores exigiam a fluência no inglês. "Em todas as entrevistas que eu ia me perguntavam se eu falava inglês. Então, pensei numa maneira rápida de aprender sem gastar muito dinheiro porque infelizmente educação no Brasil custa muito caro. Vim para os Estados Unidos porque tinha parentes aqui, mas além do inglês vim também consciente e preparada para trabalhar em outras áreas". Logo no seu segundo dia no país, em 8 de dezembro de 1999, teve a sorte de conseguir o seu primeiro trabalho: como ajudante de escritório, vaga conseguida graças à interferência de uma prima que morava no país. "Foi bastante engraçado porque no dia a dia fui percebendo que a pronúncia é totalmente diferente do que eu havia aprendido até então. Aos poucos fui me acostumando e me adaptando. Eu também me esforçava. Ia para as ruas e tentava me comunicar de todas as formas. Mesmo que falasse errado não importava porque eu tinha sede em aprender". Além da pronúncia, no início, ela diz que teve dificuldade para se adaptar com a comida e com a escuridão das ruas. "Sai em dezembro do Brasil. O verão tinha apenas começado. Aqui era inverno, escurecia muito cedo, por volta das 4h30 da tarde. Os dias eram curtos e rápidos. Por outro lado, ficava fascinada com a arquitetura das casas que não tinham muros. Achava tudo muito lindo. Isso me passava a confiança e o respeito que os americanos tinham com o próximo". Mas os primeiros dias para ela em terras americanas não foram fáceis. Isso porque ela chegou ao país ainda atormentada e abalada pelas lembranças tristes e dolorosas da perda precoce de uma de suas irmãs, Cláudia, que morreu aos 34 anos, vítima de um ataque cardíaco. "Foi muito difícil porque tudo aquilo que passamos no Brasil ainda estava dentro de mim, mas era preciso buscar forças para mim e para minha família". Sonhos No final de 2013, Néia realizou um sonho antigo: o de casar. Ela confessa que sempre desejou ter um marido que pudesse lhe dar outro sonho maior ainda: o de ser mãe. Apaixonada por crianças, sempre depositou seu instinto materno nas encenações como palhaça. O marido, o americano Robert Douches, algumas vezes, a auxilia nas festas trabalhando como mágico. Ambos compõem uma dupla perfeita. Enquanto ela apimenta a festa com sua alegria, carisma, brincadeiras e alto astral, Douches prende a atenção da garotada e dos adultos com números variados de mágica. "Primeiro comecei a ensiná-lo a pintar a face das crianças e a fazer balões de diferentes formatos. Ele foi se encantando por esse mundo. Um dia o levei a uma convenção de palhaços e mágicas. Ele aprendeu alguns truques e ficou apaixonado". Néia diz que ser palhaça nos EUA é um grande negócio porque é uma arte muito considerada e apreciada pelos americanos, inclusive há uma faculdade para palhaços na Flórida, além de escolas e convenções por todo país. "Ser palhaça me proporciona estar em várias culturas e também a chance de conhecer um pouco de cada um destes países durante uma apresentação. Eu me envolvo com os costumes e tradições deles durante as festas". O começo No Brasil, Néia já havia feito teatro e promoções em supermercados, shoppings, buffets de festas, tanto em Campinas (onde estudava) quanto em Poços de Caldas (cidade natal). Ela afirma que essa paixão pela arte nasceu ainda na infância. Seu pai, Victor, era musicista e professor. Nos almoços de domingo, ele fazia questão de reunir toda garotada para brincar. "Eu quis dar continuidade a isso. Então, comecei a trabalhar nas festas como palhaça". Os primeiros nomes nem de longe lembravam o atual. Ela já foi "Pipoca" e "Paçoca" antes de virar Pimentinha. Nos Estados Unidos, conta que a maioria das crianças, por serem alfabetizadas em inglês, não estava familiarizada com suas brincadeiras. Por esse motivo, decidiu criar uma versão em inglês que incluía nos mesmos números as concepções americana e brasileira. "Com o tempo fui descobrindo mais e mais do universo infantil americano e criei uma versão que abrangia igualmente as duas culturas". Com larga bagagem, diz que hoje consegue distinguir bem cada uma das comunidades e culturas. As festas brasileiras, tradicionalmente, são as mais longas e se assemelham a um grande evento. As hispanas e jamaicanas se parecem muito com as brasileiras. Já as americanas são bem mais rápidas, por volta de uma hora e meia, no máximo. Eles sempre exigem o pacote completo, com brincadeiras, mágicas e algodão doce. Quanto às diferenças culturais, Néia diz que achou engraçado o fato dos americanos serem extremamente competitivos, o que talvez explique o sucesso e a hegemonia deles em esportes olímpicos. "Eu percebia que na brincadeira das cadeiras eles não gostavam porque sempre havia um perdedor". Comunicação Engana-se quem imagina que Néia abandonou a sua área de formação: o jornalismo assim que chegou aos Estados Unidos. Durante os últimos anos, trabalhou em alguns jornais brasileiros e também em uma rádio como repórter e apresentadora. Ela explica que sempre serviu como uma espécie de "ponte" entre a comunidade brasileira e americana. No Centro Cívico de Mount Vernon (cidade onde mora atualmente) trabalhou como assessora de imprensa e diz que a experiência foi bastante interessante. "Fomos reconhecidos pela mídia local, pelo New York Times e pelo Associated Press. Fiz documentários em inglês e português para empresas privadas e agora estou trabalhando na produção de um documentário". Um dos seus próximos projetos é contar a sua própria trajetória de palhaça num grande documentário. Dentre as vantagens de morar nos EUA, a jornalista aponta o sistema de saúde. Ela explica que qualquer criança que chega ao Estado de Nova Iorque , seja ilegal ou não, tem acesso a plano de saúde e que sua mãe (que teve câncer) sempre foi muito bem tratada. "Primeiro eles cuidam, depois perguntam como você pode pagar. Claro que como todo país não é perfeito. Tem roubo, corrupção, mas é bem menor. As leis, pelo menos no estado que moro, são bastante rígidas e a polícia realiza um ótimo trabalho". Quanto às oportunidades, aponta que os estrangeiros têm as mesmas chances de emprego que um americano e que nunca é tarde para realizar os sonhos, pois ao contrário do Brasil, a idade não é um problema. A segurança e a liberdade de expressão são outros pontos positivos, assim como o salário que dá perfeitamente para pagar as contas. "A desvantagem é ainda não ter o Green card (passaporte que lhe garante a liberdade de ir e voltar ao Brasil sem necessidade de visto). Ficamos muito tempo longe da família e, muitas vezes, não dá tempo de rever as pessoas queridas, mas sonho em visitar o Brasil e matar as saudades dos meus amigos e parentes".