Treinador Ribeiro com aluno infantil (Leonardo Moniz)
O boxe brasileiro fez bonito nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Hebert Conceição conquistou o ouro, Beatriz Ferreira ficou com a prata e Abner Teixeira trouxe o bronze. Treinadores esperam, com ressalvas, que esse momento traga mais reconhecimento para a modalidade.
Marlon Felipe Pedroso é treinador na Top Boxe Team em Piracicaba. Desde os 12 anos, incentivado pelo pai Julio Pedroso, já falecido, abraçou a modalidade. Conquistou muitos pódios antes de se tornar treinador. Por exemplo, foi medalha de ouro nos Jogos Abertos de Barretos (2004) e o bronze no ano anterior, em Santos. Em 2005 foi escolhido entre os quatro melhores pugilistas do estado de São Paulo.
Marlon diz que a maioria dos talentos vem de famílias de baixa renda.
Em relação aos Jogos de Tóquio, Marlon disse que Hebert Conceição foi o que mais o surpreendeu. Ele explicou que o adversário usou “golpes sujos”, mas o baiano disparou um cruzado de encontro que atingiu de cheio o “monstro ucraniano (Oleksandr Khyzhniak)”. “E nos presenteou com a tão sonhada medalha de ouro olímpica”.
Para Marlon o boxe brasileiro foi muito além do que se podia imaginar. “Os resultados abriram as portas para nosso boxe”, disse. Mas o Brasil precisa, continua o treinador, dar mais atenção às bases das modalidades. Investir desde o começo é menos custoso e dá resultados, segundo ele. Ele também entende que o esporte só avança se investindo também no social das famílias mais pobres.
O treinador conta com cerca de 60 alunos, inclusive os filhos tendo o Felipe, de 11 anos, como um aluno promissor.
Marlon frisa ainda que a Confederação Brasileira de Boxe vem fazendo um trabalho excepcional e revolucionando o boxe brasileiro. “Na época que estive na seleção brasileira estávamos vivendo uma transição. Hoje está muito melhor e o resultado disse aconteceu nas Olimpíadas. A presidência de Mauro Silva e sua nova gestão de treinadores super capacitados deram excelência à modalidade”.
Indagado se o boxe perdeu espaço para outras lutas, Marlon disse que não. “O MMA que estava em evidência depende completamente do boxe para ser MMA”, justificou.
O treinador ainda reforça que a cidade tem muitos talentos. Citou o veterano Agnaldo Nunes Magalhães, descoberto por Julio Pedroso. “Revelou o Agnaldo como campeão da Forja de Campeões , aonde mais tarde veio ser membro atleta permanente da seleção brasileira obtendo vários títulos paulistas e nacionais consecutivos e eleito melhor boxeador pelo Comitê Olímpico Brasileiro no ano de 1995”.
Ele lembrou que Agnaldo esteve nas Olimpíadas de Sidney e Atlanta colecionando após essas experiências mais títulos e glórias nos ringues, inclusive três cinturões.
Marlon ainda citou outros nomes como Gilson Roberto (Capixu), Daniel Padilha MMA , Felipe Vidal MMA , Cristmi Pafaro (boxe e MMA), Elaine Lopes (boxe), Giovanne Navarro (boxe e MMA), Renan Ribeiro (El Zurdo), a Juciele Cerqueira, de Rio Claro, entre outros. “E hoje em dia temos o Rafael Faganello Calcidoni, campeão da Forja de Campeões em 2019 pela Federação Paulista e algumas revelações para a Forja 2022 e em destaque Pedro Araújo, um garoto prospecto que está sendo preparado junto com o Isac Lucca”, citou.
Marlon também se lembrou de Ramon Batagello, descoberto pelo treinador Wilson Theodoro. “Ele está na seleção brasileira. Temos também grandes treinadores, como o Leonardo Macedo, que é dos treinadores que foi para Tóquio junto com a Juciele”.
“Comemorei muito”
Marcos Alexandre Batista Ribeiro, 40, também é um nome forte entre os treinadores da cidade, no Centro Esportivo MR. Educador físico é ex- atleta de boxe e kickboxing. Representou a cidade inúmeras vezes em competições estaduais como Paulistas e Jogos Abertos e também passou pela seleção nacional.
Como formador e treinador esteve aà frente da seleção piracicabana de boxe por 12 anos e kickboxing em 2018 e 2019. Representou o Estado de São Paulo como técnico e chefe de equipe em campeonatos brasileiros. Foi ainda coordenador de projetos do boxe, kickboxing e capoeira 2018 – 2019 e 2020 na cidade.
Hoje trabalha como personal trainer, mas mantem as atividades do boxe em sua academia de forma gratuita para crianças e adolescentes de segunda a quinta-feira das 14 às 15h, no bairro Nova América.
“Comemorei muito as conquistas das medalhas sim, a participação dos brasileiros foi excelente. O boxe brasileiro vem numa crescente desde 2012 nas Olimpíadas de Londres, aonde conquistaram três medalhas na ocasião. O bronze veio com a baiana Adriana Araújo na categoria leve até 60kg, as outras pelos irmãos capixabas Esquiva e Yamaguchi Falcão nas categorias (75kg médio e meio pesado até 81kg) conquistando prata e bronze”, recordou o treinador.
“Logo mais em 2016 aqui no Brasil veio à inédita medalha de ouro conquistada pelo baiano Robson Conceição na categoria leve até 60kg. Por fim, agora em Tóquio foi à ratificação dessa boa fase ao conquistarmos mais três medalhas para o Brasil”, apontou.
“O Hebert vinha perdendo a luta por pontos até aquela ocasião, onde lutava contra o atleta ucraniano, por sinal um atleta de tamanho potencial e faltoso também, mas com muita precisão o brasileiro mostrou que era possível virar o jogo, o que aconteceu ao conectar um belo cruzado de esquerda nocauteando o adversário no terceiro ronde”, descreveu Ribeiro.
“Não foi surpresa pelo que a equipe brasileira veio mostrando nas competições internacionais durante toda a preparação. Eles obtiveram resultados positivos, embora sabíamos que não seria fácil e terem como adversários países com maior tradição na modalidade. No entanto, só para reforçar esse tese, como não teve todas as competições classificatórias por conta da pandemia, o COI - Comitê Olímpico Internacional optou por levar os 10 melhores ranqueados de cada categoria, ou seja, os brasileiros estavam lá”, explicou o treinador.
Ribeiro disse que acompanha os medalhistas há tempos. “Todos são atletas dedicados, cada um com sua característica, mas com compromissos e objetivos semelhantes”.
Ele destacou ainda a dedicacão dos treinadores. “O técnico Mateus Alves formou toda a equipe. Os outros são velhos conhecidos de Piracicaba. Leonardo Macedo é de Rio Claro e trabalhamos juntos aqui em Piracicaba na formação de atletas e fomentação do boxe de 2009 a 2011. Amônio de Lima o “Mone” baiano, também trabalhamos juntos de 2012 a 2017 formando e montando equipes para campeonatos brasileiros e Jogos Abertos do Interior. Ambos são seres humanos incríveis, são conhecedores a fundo da modalidade. E mesmo essa equipe sendo jovem e formada em tão pouco tempo, é sabido o quão comprometido ela estava para os Jogos Olímpicos”.
De acordo com Ribeiro, Piracicaba sempre foi um celeiro de lutadores. “Na minha academia temos treinando Julia e Marcos Alves atletas de kickboxing que estão entre os melhores do Brasil. A Julia recentemente está migrando para o boxe. No boxe temos Ramon Batagello categoria dos pesos pesados hoje, atleta da seleção e certamente fará parte do próximo ciclo olímpico”, aposta o treinador.
A procura pelo boxe
“É evidente que os resultados obtidos nas Olímpiadas motivam as pessoas a procurarem o boxe, entretanto estamos ainda numa pandemia avassaladora, a vacinação ainda em curso e as atividades devem atender alguns protocolos sanitários de forma protetiva. Um deles é o justamente o distanciamento social. Tendo em vista, que com a extensão da pandemia muitos atletas pararam de treinar, poucos continuam com o mesmo foco. Hoje não tenho buscado o alto rendimento, tenho apenas três atletas em atividades, mas para que isso aconteça há uma parceria entre eu e o Gustavo Zandoval também técnico de boxe e juntos procuramos manter a preparação desses atletas”, explicou.
Ribeiro disse ainda que é provável que o esporte ganhe mais adeptos e que haja mais apoio ao esporte individual, que é o boxe. “Os esportes individuais são os diferencias no quadro de medalhas. Mas individual só no nome porque por traz deles tem um corpo multidisciplinar com médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas preparadores físicos, técnicos, entre outros profissionais imbuídos dia a dia, estudando formas para elevar a performance desses atletas e com isso trazer melhores resultados”.
Na análise do treinador o boxe é impar em relação a outras lutas. “Muitas modalidades precisam do boxe para se completar como o muay thai, o kickboxing e mesmo o MMA. Já o boxe é boxe e ponto! Não precisa praticar outra modalidade para ser boxeador. Entretanto, somos carentes de ídolos, marketing e apoio midiático. As outras modalidades foram melhores nesse quesito e com isso ganharam maior popularidade e adesão”.
Outro ponto a ser mencionado, disse Ribeiro, é que no Brasil o boxe competitivo não tenha tanta popularidade, por ser visto como esporte de periferia, por ser taxado de esporte violento, praticado em locais precários. “Mas com a introdução do boxe em academias personalizadas, praticado por artistas, celebridades da televisão, com a produção de grandes filmes internacionais o boxe passou a ser difundido em todos os âmbitos de interesse. Seja competitivo ou mesmo para a qualidade de vida. Ele melhora o condicionamento físico, elevação da autoestima, redução da ansiedade e depressão. Esses são alguns pontos que vem elevando a popularidade do boxe cada vez mais, sem mencionar os valores que estão embutidos na sua prática, como superação, resiliência, perseverança, respeito entre outros”, explicou.
Além de ser um cunho social, o boxe é uma ferramenta de transformação, por moldar crianças consideradas problemáticas em crianças íntegras, fortes e comprometidas com as responsabilidades da vida, ou seja, cidadãos de bem, segundo o treinador.