MEMÓRIA

O mestre que musicava a melancolia da dor sofrida

Para muitos, Nelson Cavaquinho foi um gênio da música popular brasileira

Marita Siqueira
marita.siqueira@rac.com.br
18/02/2016 às 17:50.
Atualizado em 28/04/2022 às 05:40

Cavaquinho, fotografado por Alcyr Cavalcanti para reportagem do jornal Última Hora, em 1974 (Reprodução)

Do toque com o polegar e o indicador no violão ressoava um timbre único, que musicava a melancolia da dor sofrida e do lamento necessário, afinal, “feliz aquele que sabe sofrer”, como dizia o verso de uma das muitas pérolas deixadas por Nelson Cavaquinho ao cancioneiro nacional — o samba 'Rugas', seu primeiro sucesso. O carioca Nelson Santana da Silva, morto há exatos 30 anos de enfisema pulmonar, foi um sambista boêmio, elegante e namorador que ficou eternizado na história, e até hoje é revisitado em shows e rodas de samba. Filho de policial militar e mãe lavadeira de convento, Nelson chegou a servir a corporação, mas se desligou antes que o mandassem embora. A música era mais forte, e que triste seria se ficasse incubada. A primeira gravação ocorreu em 1939, a composição 'Não Faça Vontade a Ela', em parceria com Rubens Campos e Henricão, na voz de Alcides Gerardi. Mangueirense de coração, foi contemporâneo de Noel Rosa (um ano mais velho) e cultivou parceiros de renome como Cartola e Nelson Cachaça. No entanto, seu principal parceiro de música foi Guilherme de Brito, também boêmio, porém mais contido, com quem fez 'Folhas Secas', 'Dono das Calçadas', 'É Tão Triste Cair', 'Minha Festa', 'Choro do Adeus', 'A Flor e o Espinho'. “Nelson foi um gênio doido que criou músicas lindíssimas, sambas magistrais e belas parcerias, sobretudo com Guilherme de Brito, com quem tive a honra de tocar. Os dois juntos têm uma obra riquíssima. Um acervo de músicas que estão na boca do povo e outras tantas maravilhosas que são desconhecidas”, afirma o violonista e maestro Adriano Dias, do grupo campineiro Quarteto de Cordas Vocais. Das muitas canções feitas por Nelson, algumas tiveram sua parceria “vendida” — era um hábito comum na época — para comer, dormir, viver na boemia, o que torna difícil dizer com precisão quem de fato assinou a autoria com ele. Até mesmo 'Devia Ser Condenada', coassinada por Cartola, teria sido barganhada. “Vendi só a minha parte. Estava duro”, justificaria ao levar bronca do amigo. Para o cantor Edinho Tio Beiço, Nelson Cavaquinho foi um gênio da música popular brasileira principalmente pelas suas obras muito simples e harmoniosas. “Ele conseguia dizer em poucas palavras o que ele queria misturando com lindas melodias. Por ser um cachaceiro que vivia no bar e ao mesmo tempo compor obras contemporâneas que são executadas ate hoje”, diz. Já Dias ressalta as harmonias do compositor. “Ele foi um grande compositor de canções, suas harmonias têm uma diferença, são características; fogem do convencional de forma elegante e criativa, coisa que não se vê no samba de hoje em dia. E as melodias belas que se juntam a letras poéticas com temas humaníssimos que vão da tristeza, desgraça, alegria e ao prazer.” Ambos citam 'Palhaço', composta com Osvaldo Martins e Washington Fernandes, entre as canções preferidas de Nelson. Há outras belas músicas que merecem destaque, como 'Não te Dói a Consciência' (com Augusto Garcez e Ary Monteiro), 'Aquele Bilhetinho' (com Augusto Garcez e Arnô Carnegal), 'Cuidado com a Outra' (com Augusto Tomaz Jr.), 'Sempre Mangueira' (com G. Queiroz) e 'Degraus da Vida' (com Antônio Braga e César Brasil). Boa parte desses versos ganhou visibilidade na voz de intérpretes como Elis Regina, Cyro Monteiro e Elizeth Cardoso. Nelson tardou a gravar seu primeiro LP, 'Depoimento de Poeta', que saiu em 1970 pela Castelinho. Em 1973, foi lançado 'Nelson Cavaquinho' pela Odeon, como faixas como 'A Flor e o Espinho', 'Folhas Secas', 'Rugas' e 'Quando Eu me Chamar Saudade'. Em 1985, houve o lançamento de 'As Flores em Vida' (Eldorado), com regravações e participações especiais.

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