LIÇÕES AO ESTILO

Longa 'Amor em Sampa' é correto até a medula

Trata-se de uma comédia romântica, com todos os ingredientes do gênero

João Nunes
24/02/2016 às 18:46.
Atualizado em 28/04/2022 às 05:41
Cena do filme 'Amor em Sampa', com os atores Mariana Lima e Rodrigo Lombardi (Divulgação)

Cena do filme 'Amor em Sampa', com os atores Mariana Lima e Rodrigo Lombardi (Divulgação)

A fala de uma personagem poderia ser a chave para Carlos Alberto Riccelli e Kim Riccelli, diretores, e Bruna Lombardi, roteirista, mudarem o rumo de 'Amor em Sampa' (Brasil, 2016), que estreia nesta quinta-feira (25) em Campinas: “Eu odeio o politicamente correto”. Mas o filme é correto até a medula e não se cogitou fazê-lo diferente. Trata-se de comédia romântica, com todos os ingredientes do gênero, que exagera, e muito, na dose: coloca açúcar demais, bondade demais, bom-caratismo demais. Tudo em excesso estraga qualquer receita. E ainda se corre o risco de ter congestão. O argumento de que o público está cansado de notícias ruins não convence, porque a São Paulo do filme é uma ilusão: limpa, colorida, gente bacana e feliz e problemas de nenhuma ordem. E para acabar com o pouco de ruim que lhe sobra nada como campanha para humanizá-la. O empresário que se nega a embarcar nela, Lucas (Eduardo Moscovis), está certo porque é uma bobagem: é a correção política em estado bruto. Assim como notícia boa não vende jornal, não existe dramaturgia sem conflito. Some-se o estranho detalhe presente desde a abertura: os atores cantam como em um musical, só que não se trata de musical. Sim, Woody Allen fez isso em 'Todos Dizem Eu te Amo' (1996). Caetano Gotardo usou magnificamente bem o recurso (mesmo de modo diferente) em 'O que se Move' (2013), entre outros. Contudo, a música em 'Amor em Sampa' soa deslocada. A dos personagens gays — a correta mais adocicada — é o melhor exemplo. Todos nós sabemos que o mundo não é gay, como São Paulo sofre de problemas monumentais e que campanhas tentando fazê-los passar por aquilo que não são tem efeito contrário. A cena mais convincente, a revelação que Tutti (Mariana Lima) faz a Mauro (Rodrigo Lombardi), mesmo a um passo do piegas, nos toca justamente porque levanta um conflito. E porque a grande atriz Mariana Lima possui a capacidade de transformar em ouro tudo o que toca. Como Tiago Abravanel é ótimo ator e também convence com Raduan, mas o roteiro tenta emprestar naturalidade inexistente à relação dele com o parceiro Ravid (Marcello Airoldi). Eles são as pessoas mais felizes do mundo, alcançam todos os sonhos e não enfrentam nenhuma dificuldade. De novo, a absoluta falta de conflito. E a peça sobre o lixo, parece espetáculo infantil de escola com lições ao estilo, jogue lixo na lixeira, seja um povo civilizado. Como quando defende o uso da bicicleta, como se São Paulo fosse Amsterdã. Ou seja, as pregações e as “missões” que encampa funcionam como coleção de utopias; portanto, distante do real. Entende-se o que os Riccelli/Lombardi propõem: cinema, não realidade. E se quer tirar o ranço do preconceito contra uma cidade que se ama e se odeia em igual medida. Mas seria o mesmo que glamourizar a favela e o subúrbio cariocas porque o Rio continua lindo na zona Sul ou visto de cima ou na direção do mar. A favela de Cartola (que beleza/não há tristeza) também é pura utopia. Não há mundo sem notícia ruim, como não há vida sem conflito. Nem no cinema, mesmo com todas as boas intenções de 'Amor em Sampa'.

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